Autora: Nathália Beraldo Drumond Diniz
- INTRODUÇÃO
A propriedade intelectual é um fator determinante para o desenvolvimento econômico e social sustentável de um país, ele tem como objetivo aumentar a competitividade criando um ambiente de negócios de modo a assegurar às empresas a proteção ao investimento, bem como a estimular à criação e à capacitação tecnológica (NATIELLE, 2022).
A cadeia produtiva do vinho, por sua vez, é uma das mais complexas do agronegócio, não somente pelos inúmeros aspectos qualitativos e pelas influências do ambiente e da tecnologia de produção, mas também, de forma marcante, pela versatilidade da matéria-prima na elaboração de um expressivo elenco de produtos derivados (HOFFMANN, 2008).
Nesse sentido, buscou-se fazer um elo entre propriedade intelectual e vitivinicultura, de modo a identificar e analisar os principais instrumentos de propriedade intelectual existentes na cadeia produtiva do vinho. A escolha justificou-se pelo crescimento econômico do setor e sua importância no agronegócio.
Em termos metodológicos, como fonte primária de dados, a pesquisa utilizou a base do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e como fonte secundária, o mecanismo de busca Web of Science para identificar artigos e pesquisas bibliográficas. Consultas em sites especializados também foram realizados.
Dentro desse contexto, o artigo está organizado em três seções além desta introdução. A seção dois descreve o panorama geral da vitivinicultura, abordando sua definição, classificação e processo de vinificação, bem como a importância econômica do setor. Os instrumentos de propriedade intelectual na cadeia produtiva do vinho são tratados na seção três, onde são analisados os exemplos selecionados em relação as cultivares, patentes, indicações geográficas, desenho industrial e direito autoral. Por fim, na seção quatro, encontra-se a conclusão.
- PANORAMA GERAL DA VITIVINICULTURA
2.1 Definição, classificação e processo de vinificação
Conforme definição do art. 3º da Lei 6.678/1988 que dispõe sobre a produção, circulação e comercialização do vinho e derivados de uva, “vinho é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura”. (BRASIL, 1988).
O mosto é denominado como simples, que é o produto obtido pelo esmagamento ou prensagem da uva sã, fresca e madura, com a presença ou não de suas partes sólidas, mosto concentrado, que é o produto obtido pela desidratação parcial de mosto não fermentado, mosto sulfitado, que é o mosto simples estabilizado pela adição de anidrido sulfuroso ou metabissulfito de potássio e mosto cozido, que é o produto resultante da concentração avançada de mostos, a fogo direto ou a vapor, sensivelmente caramelizado, com um conteúdo de açúcar a ser fixado em regulamento (§§ 1º, 2º e 3º do art. 4º da Lei 6.678/1988) (BRASIL,1988).
Em relação à classificação do vinho, ele pode ser de mesa, leve, fino, espumante, frisante, gaseificado, licoroso e composto. Quanto à cor, pode ser tinto, rosado, rosé ou clarete e branco. Seu teor de açúcar é classificado como nature, extra-but, brut, seco, sec ou dry, meio doce, meio seco ou demi-sec, suave e doce, possuindo, por fim, graduações alcoólicas que variam de 7% (sete por cento) a 14%, podendo chegar a 20% (vinte por cento) tal como no vinho composto.
Quanto à produção do vinho, consideramos nesse trabalho o processo básico, que compreende-se nas etapas de plantio da videira, colheita (vindima), desengace, esmagamento, fermentação, prensagem, análises dos lotes, colagem, maturação, filtração e engarrafamento.
O plantio da videira é a etapa inicial da muda no campo. Passo seguinte é a colheita das uvas, também conhecida como vindima, que pode ser realizada de forma manual ou mecânica.
O desengace é a etapa em que são separados os engaços (cabinhos) dos bagos e das folhas das uvas, entes de entrar no recipiente de fermentação, já que estes trazem um sabor desagradável.
Etapa seguinte é o esmagamento ou maceração, que consiste no processo de trituração das uvas, resultando na libertação de mostos pela ruptura das películas, permitindo o início da fermentação, tendo em vista que as uvas, quando intactas, não fermentam. Esse processo somente é aplicável aos vinhos tintos e, em alguns casos, ao vinho rosé.
Na sequência é realizado a fermentação alcóolica dos mostos no tanque, que ocorre através das leveduras presentes nas uvas, chamadas de leveduras ativas ou indígenas. Após a fermentação alcoólica, a parte solida do mosto e separada e passa por uma prensagem, que resulta num líquido de qualidade inferior, que pode, a critério do enólogo, se misturada ao líquido dos tanques de fermentação da etapa anterior.
Inicia-se, então, a fermentação malolática em maturação, também chamada de segunda fermentação, que é o processo na qual ocorre a transformação do ácido málico presente na composição das uvas, em acido lático. Esse processo ocorre através das bactérias láticas adicionadas e tem como objetivo diminuir a acidez do vinho e aumentar o equilíbrio da bebida.
Os vinhos podem ser acondicionados em barricas de carvalho, inox ou cimento para que ocorra a maturação. A próxima etapa é a análise dos lotes em laboratório, geralmente situados dentro das vinícolas.
É realizado então o processo de mistura e colagem, onde alguns lotes podem ser misturados com o objetivo de equilibrar o sabor ou trazer preponderância para alguma característica do vinho.
O processo de maturação depende do tipo do vinho, e pode ocorrer tanto em tanques de aço inoxidável quanto em barricas de carvalho, a depender do aroma e sabor que o enólogo queira atribuir à bebida.
Filtração ocorre quando se pretende uma clarificação, que é a remoção de resíduos.
A etapa final é a de engarrafamento por meio de máquinas envasadoras, onde as garrafas são enchidas, fechadas com rolhas e os rótulos são colados, seguindo para adega até a distribuição comercial.
2.2 A importância econômica do setor
De forma a demonstrar a importância da atividade econômica relacionada à vinicultura no Brasil, foram levantados dados sobre a produção e desenvolvimento do setor, considerando especialmente o segmento de uva voltado à produção de vinho de mesa e vinho fino.
A vitivinicultura brasileira é atividade econômica que se baseia no cultivo das uvas e na sua potencial utilização para a fabricação de vinhos, possui enorme importância social e econômica pelo elevado impacto na geração de emprego e renda, em todos os seus segmentos, especialmente aquele destinado à elaboração de vinhos finos (elaborados com Vitis vinifera), vinhos de mesa (elaborados com cultivares de Vitis labrusca e híbridos), espumantes (elaborados exclusivamente com Vitis vinifera) (ZANUS, 2015).
De acordo com Mello e Machado (2021), a produção nacional de uvas destinadas ao processamento (vinho, suco e derivados) em 2020 foi estimada em 661.820 milhões de quilos, representando 46,72% da produção total, e o consumo per capita de vinhos, incluindo os espumantes (nacionais mais importados), foi de 2,66 litros.
A área cultivada de videiras no Brasil é de 78.028 hectares, colocando o Brasil no 18º lugar em termos de superfícies mundiais, que até 2018 era de 7,6 milhões de hectares et al (OIV, 2018). Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Bahia, em ordem decrescente, são os maiores produtores, sendo que apenas o Rio Grande do Sul representa 48.830 hectares de área cultivada (IBRAVIN, 2018), além de ser o estado com condições climáticas mais favoráveis para a vinicultura de qualidade.
Ainda, segundo o relatório anual da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV, 2021), o Brasil teve alta na produção de vinho em 2021, no volume de 3,6mhl, maior produção do país desde 2008, registrando 60% de aumento em relação ao último ano e 46% em relação à média dos últimos cinco anos. Já a União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA, 2022), afirma que no mesmo ano foi registrado um aumento de 83,25% nas exportações de vinho brasileiro se comparado a 2020, num total de 12,4 milhões de litros distribuídos para 53 países consumidores. O aumento do consumo do vinho e das exportações foi atribuído às mudanças de padrões ocasionados pela pandemia, que diferentemente de outros setores, acabou sendo favorecido pela crise.
Verifica-se, portanto, um cenário constante de crescimento e expansão econômica do setor.
- INSTRUMENTOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL AO LONGO DA CADEIA PRODUTIVA DO VINHO E SUA INSERÇÃO NO AGRONEGÓCIO
A propriedade intelectual decorre diretamente da capacidade inventiva ou criadora do intelecto humano, podendo ser o conhecimento, a tecnologia ou o os saberes de seus criadores. Propriedade Intelectual é gênero, é pode ser dividida em três espécies: Propriedade Industrial, Direito Sui Generis e Direito Autoral e Conexos (WIPO/OMPI, 2020).
A propriedade industrial são os direitos concedidos com o objetivo de promover a criatividade pela proteção, disseminação e aplicação industrial de seus resultados, sendo aplicável as patentes, desenho industrial, marcas, indicações geográficas, e a repressão à concorrência desleal.
Os direitos sui generis, por sua vez, diz respeito a proteção de novas variedades de plantas (Lei 9.456/97), topografia de circuitos integrados (Lei 11.484/2007), conhecimentos tradicionais e manifestações folclóricas (Lei 13.123/2015).
Já os direitos autorais e conexos, são os direitos concedidos aos autores de obras intelectuais, incluindo as obras literárias, artísticas e cientificas, as interpretações artísticas e execuções, fonogramas e transmissões por radiofusão (Lei 9.610/98) e os programas de computador (Lei 9.609/98).
No que se refere a cadeia produtiva, essa pode ser entendida como um sistema que envolve “desde a produção dos insumos, geração e oferta de serviços e obtenção do produto até a distribuição e a entrega desse produto ao mercado consumidor” (MASSILON, 2022, p.20).
Hoffmann et al. (2008), afirma que a complexidade da cadeia produtiva do vinho se dá, dentre outros motivos, pelas influências do ambiente e da tecnologia de produção. Em razão da complexidade do filière (ou cadeia produtiva) são diversas as possibilidades de propriedade intelectual nesse segmento, que pode ser encontrado, mais especificamente, no desenvolvimento dos equipamentos e insumos agrícolas, no cultivo e rastreabilidade da uva, na colheita, no engarrafamento, rotulagem, produção e armazenamento.
Nesse sentido, buscando identificar os instrumentos de propriedade intelectual aplicados à cadeia produtiva do vinho, passa-se à análise dos exemplos selecionados dos instrumentos de propriedade intelectual no setor, que foi escolhido pela sua importância no agronegócio.
3.1 Cultivar
Cultivar é a designação dada a determinada forma de uma planta cultivada, correspondendo a um determinado genótipo e fenótipo que foi selecionado e recebeu um nome único e devidamente registrado com base nas suas características produtivas, decorativas ou outras que o tornem interessante para cultivo.
Na definição dada pela Lei 9.456/97 (Lei das Cultivares), cultivar é uma variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior. O órgão responsável pela concessão da proteção é o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.
De forma didática, Barbosa (2017, p.207) explica que “o Certificado de Proteção de Cultivar é uma “patente” de planta”, mas que alcança o material de reprodução ou multiplicação vegetativa. Portanto, seu objetivo é garantir a proteção do direito Sui Generis como um ativo de propriedade intelectual, assegurando a exclusividade do seu titular referente ao uso destas.
Faz parte desse arcabouço legal a Lei 10.711/2003 (Lei das Sementes e Mudas), que trata da produção e comercialização de sementes e mudas no Brasil.
Como visto na definição do processo de vinificação, o cultivo da videira situa-se entre as primeiras etapas do processo produtivo do vinho, sendo classificada em duas espécies, as cultivares de vitis vinífera (europeias), que são próprias para elaboração de vinhos finos, e as cultivares V. labrusca, V. bourquina (americanas e hibridas), que são aquelas voltadas para elaboração de vinho de mesa.
Entre às castas mais famosas da espécie vitis vinífera produzidas no Brasil, cita-se as uvas Cabernet Sauvignon e Merlot, e para as espécies V. labrusca, V. bourquina, Bordô e Isabel.
Em 2022 foram encontrados o registro de 330 cultivares protegidas da espécie geral de Videira, no SNPC, das quais 43 a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária aparece como titular, o Instituto Agronômico – IAC com 25, o Brasiluvas Agrícola 22 e a EPAMIG – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais com 12 registros (MAPA, 2022).
Programas de melhoramento mantidos pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), EMBRAPA Uva e Vinho e EPAMIG tem buscado desenvolver cultivares de videira adaptadas a climas tropicais e resistentes a doenças.
Esse é o caso, por exemplo, da cultivar de uva branca BRS Bibiana, lançada em 2019, que se adapta melhor ao clima subtropical úmido da região da Serra Gaúcha, tem alta produtividade e demanda menos tratamentos fitossanitários pelos cachos soltos.
Segundo Aviani e Machado (2015), o melhoramento genético é a base da indústria de sementes e, portanto, de todas as demais cadeias produtivas do agronegócio. Os autores ainda sugerem que a quantidade de cultivares protegidas pode servir de indicador de inovação ou de desenvolvimento tecnológico na agricultura.
Nesse sentido, a proteção da cultivar na cadeia produtiva do vinho mostra-se um dos instrumentos de propriedade intelectual mais importante, sendo essencial o desenvolvimento de novas variedades para gerar vantagens competitivas, inovação e desenvolvimento tecnológico na vitivinicultura, além de elevar a qualidade organoléptica do vinho.
3.2 Indicação Geográfica
As indicações Geográficas no Brasil são reguladas pela Lei nº 9.279/96, e suas condições de registro estabelecidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Conforme definição legal, constitui indicação geográfica a indicação de procedência ou a denominação de origem (art.16), considerando-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço (art. 177) e denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (art. 178) (BRASIL,1996).
Além do preenchimento dos requisitos acima, o uso da IG está condicionado ao cumprimento do Caderno de Especificações Técnicas, documento que contém as normas referentes à produção e produto ou à prestação de serviços, sujeito ao controle da entidade representativa da IG.
Trata-se de um direito coletivo, delimitado em certa área pelos produtores ou prestadores de serviços do respectivo produto ou serviço.
Sua concepção e essência têm como objetivo garantir a qualidade da produção e de associação de produtos à sua origem geográfica, aspectos que a transformam em uma ferramenta estratégica de diferenciação de produtos agrícolas (BRAMLEY, BIÉNABE & KIRSTEN, 2009).
Os produtores nacionais, neste cenário, buscaram estratégias de diferenciação do vinho regional, dentre elas a obtenção da marca de IG, que passou a ser vista como um meio não apenas de angariar proteção e valorização do produto, mas principalmente um instrumento de distinção que possibilitaria a inserção do vinho nacional nos mercados interno e externo, agregando valor ao produto e conferindo vantagens frente a concorrentes (DIESEL, FROEHLICH & HAAS, 2012).
Atualmente, o Brasil possui sete Indicações de Procedência em regiões que se tornaram reconhecidas na produção de vinhos, sendo elas: Pinto Bandeira, Vale da Uva Goethe, Altos Montes, Monte Belo, Farroupilha, Campanha Gaúcha e Vinhos de Altitude, e uma Denominação de Origem em regiões produtoras de vinho que apresentam qualidade ou característica que se deve essencialmente ao meio geográfico, sendo ela: Vale dos Vinhedos, (INPI,2022).
Estão em andamento os pedidos das IGs do Vale do São Francisco pelo Instituto do Vinho do Vale do São Francisco BR/PE/BA vinho fino, vinho nobre, espumante natural e vinho moscatel, registrado no INPI sob o nº: BR402020000021-3, e Altos de Pinto Bandeira, pela Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira BR/RS, com registro no INPI sob o nº BR412021000003-4 (EMBRAPA, 2022).
A vista disso, a diferenciação pelas indicações geográficas aumenta a percepção de qualidade para o vinho, abrindo possibilidades de novos mercados, e segundo aponta Tonietto e Falcade (2018), gera avanço e uma nova etapa de afirmação da identidade da vitivinicultura brasileira, importante para estimular o mercado interno e abrir possibilidades de maior visibilidade internacional.
3.3 Patente
Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Sua regulação encontra-se disposta nos artigos 6ª ao 93ª da Lei 9.279/96, cabendo ao INPI receber, decidir e registrar os pedidos de patente.
No Brasil existem dois tipos de patente, a de invenção (PI), que se relaciona à criação de produtos ou processos que atendam aos requisitos de atividade inventiva, novidade e aplicação industrial, e Patente de Modelo de Utilidade (MU), para objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação.
O Certificado de Adição de Invenção (C), por sua vez, é o aperfeiçoamento ou desenvolvimento introduzido no objeto da invenção, mesmo que destituído de atividade inventiva, porém ainda dentro do mesmo conceito inventivo.
A validade da Patente de Invenção é de 20 anos e do Modelo de Utilidade 15 anos, ambos a partir da data do depósito. Quanto ao Certificado de Adição de Invenção, será acessório à patente, portanto, com mesma data final de vigência desta.
Foi possível identificar algumas patentes distribuídas ao longo da cadeia produtiva do vinho, dentre as quais cita-se a de nº: US20120192539 A1, de agosto de 2012, que propôs um mecanismo automático de seleção de uvas a ser equipado nas colhedoras, com possibilidade de seleção de um ou mais parâmetros dos frutos.
Na etapa de engarrafamento, cita-se a tecnologia de processo patenteada, denominada Antiox Deox, que permite durante o enchimento da garrafa, uma adequada proteção do produto, impedindo a introdução do oxigênio, preservando os perfumes e aroma da bebida.
Menciona-se, também, as tecnologias anti-falsificação para garrafas de vinho, que permite saber se ela foi aberta anteriormente. O destaque é do pedido da patente nacional em andamento, via PCT, depositada no INPI sob o nº 112021018617. Trata-se de um método de autenticação não clonável mais seguro para bloquear o reabastecimento de garrafas vazias de vinhos. O selo é carregado com partículas magnetizadas, que fornecem uma impressão digital única para garrafa, que pode ser conferida em um acessório apropriado.
Na cadeia final do consumidor, encontra-se em andamento o pedido da patente de invenção nº BR 11 2018 007045 9 A2, tratando-se de um sistema e método de afinidade de etiqueta de vinho, que busca, através de algoritmos, classificar, graduar, apresentar e/ou recomendar o produto, mais especificamente, gerar comunicações de comercialização as quais exibem etiquetas de vinho para ajudar o consumidor e comprador selecionar e adquirir a bebida utilizando uma interface digital.
Conforme descreve Aviani e Machado et al. (2015), quando se trata de produtos protegidos por direitos de propriedade industrial, uma das formas de monitorar a evolução da inovação tecnológica é a quantificação de registros patentários. Nesse sentido, não obstante os exemplos selecionados acima, verificou-se que o número de registros de patentes nacional no banco de dados do INPI é inexpressivo e pouco diversificado, o que sugere maior necessidade de investimento em inovação e tecnologia na vitivinicultura, como estratégia do aumento do portfólio de patentes.
3.4 Desenho Industrial
A proteção conferida pelo registro de desenho industrial (DI), em conformidade com o que estabelece o art. 95 da Lei 9.279/96, é definida exclusivamente a partir da configuração da forma plástica ornamental do objeto ou do conjunto ornamental de linhas e cores requeridos. Portanto, a proteção não se estende aos aspectos técnicos e funcionais.
O prazo de validade são de 10 (dez) anos contados da data do depósito prorrogável por 3 (três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos cada, mediante o recolhimento da taxa quinquenal de manutenção, consoante artigos 108, 119 e 120 da LPI.
Para que uma criação seja protegida como desenho industrial, ela tem que ser suscetível de reprodução em escala industrial, deve ser original, ou seja, ter efetiva distinguibilidade em relação a produtos similares e ser considerada nova, para tanto, que não tenha sido tornado público antes do depósito.
São diversas as possibilidades de registro de desenho industrial na indústria do vinho, tais como o formato de uma garrafa e taça, a configuração de um saca rolha, o design de um dispenser de vinho ou até mesmo o formato da barrica onde ocorre a maturação do vinho.
E o que se vê, por exemplo, da configuração aplicada a um tanque de fermentação, desenho industrial registrado e concedido sob o nº: BR 30 2022 004402 4. Cita-se, também, a configuração aplicada em bolsa para garrafas de vinho, pedido depositado sob nº BR 30 2021 003707 6 e, por fim, a configuração aplicada a um abridor de vinho, pedido depositado sob o nº BR 30 2020 002992 5.
3.5 Marca
Marca é todo sinal distintivo, visualmente perceptível, que identifica e distingue produtos e serviços, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas, consoante definição dos artigos 122 e 123 da LPI, (BRASIL, 1996).
Marca coletiva, por sua vez, são signos distintivos que indicam aos consumidores, entre outras coisas, que os produtos ou serviços por elas identificados são oriundos de membros de uma determinada coletividade.
Por fim, marca de certificação é aquela que comprova a conformidade de um produto ou serviço prestado.
A marca é a face mais visível da propriedade intelectual. Por trás de todo negócio existe uma marca, e é a partir da construção dessa marca que cria-se sua diferenciação e fortalecimento no mercado, constituindo-se, não raramente, o maior patrimônio empresarial. A marca como ativo intangível representa uma vantagem competitiva para o setor, identifica a origem e procedência do produto, além de representar uma vantagem para o consumidor, que pode exercer plenamente o seu direito de escolha.
No mundo dos vinhos, diversas marcas se tornaram afamadas, a exemplo da Yellow Tail, Jacob’s Creek (do grupo Pernod Ricard), Gallo, Bareffot, Casillero Del Diablo, todas com registro de marca em vigor depositadas no Brasil.
No Brasil, temos ainda a única vinícola fora da França (PETERLONGO S/A) que possui o direito de usar no rótulo dos seus produtos o termo “champanhe”, por preservar genuinamente o método champenoise, que consiste na elaboração do espumante.
Isso porque, de acordo com a legislação brasileira (LPI) no inciso IX do art. 124, é vedado o registro de nome como marca de “indicação geográfica, sua imitação suscetível de causar confusão ou sinal que possa falsamente induzir indicação geográfica”. O nome champanhe é uma Denominação de Origem da França e possui um rigoroso controle do seu uso.
Falando sobre marcas coletivas relacionadas ao vinho registradas no Brasil, temos a Wines of Brasil, criada com o objetivo de promover, proteger e certificar a origem, a identidade e a qualidade dos produtos vitivinícolas no mercado externo, e a marca Brasil Espumantes, ambas de titularidade da extinta Ibravin.
A ACAVITS – Associação Catarinense dos Produtores de Vinhos Finos de Altitude e Vinhateiros do Vale também é uma marca coletiva, criada com o propósito de buscar a união em torno do fortalecimento do Vale dos Vinhedos.
O CPEG – Consorcio de Produtores de Espumantes de Garibaldi, de forma inovadora criou a marca coletiva para assinalar vinhos, unindo à possibilidade de certificação por terceira parte, por meio da qual seus integrantes podem buscar a certificação dos espumantes, através da conformidade de uma série de regras previamente definidas.
Como visto, através da construção da marca, seja ela individual, coletiva ou de certificação, cria-se uma identidade e diferenciação do produto e, consequentemente, ganhos econômicos.
3.6 Direito do Autor
O Direito Autoral é regido pela Lei 9.610/98 (Lei de Direito Autoral) protege tanto os direitos de autor quanto os direitos conexos, além das relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc. Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.
Na cadeia produtiva do vinho, a obra que estampa o rótulo da garrafa, assim como os desenhos ou imagens criadas nos sites das vinícolas são exemplos de obras protegidas por direito autoral. Em relação a interface do site, app e programas de computador, a proteção jurídica se dá pela Lei 9.609/98 (Lei do Software).
Dentro dessa temática, cita-se o Sistema de Informações Geográficas (SIG), que busca integrar diversas áreas por meio de softwares para trabalhar com dados georreferenciais.
O Estado do RS utiliza desde 2005 o georreferenciamento para realizar o cadastro vitícola da região, com o objetivo de captar um conjunto de informações sobre a área plantada e a produção das propriedades agrícolas.
O georreferenciamento permite a medição precisa das áreas e do seu posicionamento geográfico (FIALHO, 2016), e o software realiza a leitura dos resultados obtidos por ele, como exemplo, o denominado MAPAGPS 2.0 desenvolvido pela EMBRAPA.
Recentemente a EMBRAPA uva e vinho também desenvolveu o aplicativo Uzum Uva, que é um sistema que usa técnicas de inteligência artificial para auxiliar no diagnóstico de problemas das culturas da uva, auxiliando na identificação rápida de doenças, pragas ou distúrbios, e o Sistema Crops, desenvolvido em parceria com a empresa Jahde Tecnologia, que realiza o monitoramento e manejo de doenças, permitindo a coleta de dados climáticos, os quais são enviados para um software que os analisa e disponibiliza informações, em tempo real, sobre a probabilidade de ocorrência de míldio no parreiral (EMPRAPA, 2022).
Além dos instrumentos citados acima, conforme descreve Crestana e Mori (2015), existem outras tecnologias que vem abrindo novos caminhos na agricultura, perfeitamente aplicáveis à vitivinicultura, tais como a instrumentação de solos, robôs, veículos aéreos não tripulados (Vants) e recursos de inteligência artificial, que podem, a depender da sua natureza, estar inseridos no conceito de programa de computador, amparados, portanto, pela proteção conferida na Lei 9.609/98.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos ocorreram avanços importantes na vitivinícola, tais como o desenvolvimento de novas cultivares, o uso de novas tecnologias identificadas através das patentes, a estruturação de novas indicações geográficas, o uso do sistema de marcas de certificações e marcas coletivas como forma de agregar valor ao produto, a criação de softwares para leitura de dados georreferenciais e o desenvolvimento de aplicativos utilizando técnicas de inteligência artificial para auxiliar, por exemplo, no diagnóstico de problemas das culturas da uva.
Embora esses fatores tenham contribuído para o crescimento econômico do setor e a entrada nacional na rota de vinhos com reconhecimento de qualidade, foi identificado na pesquisa que o portifólio de propriedade intelectual na cadeia do vinho não é vasto e diversificado, frente à amplitude deste segmento produtivo e suas diversas possibilidades de aplicação.
Nesse sentido, sendo a propriedade intelectual uma ferramenta estratégica no processo de inovação das empresas e um indicador de desenvolvimento econômico e social de um país, conclui-se pela necessidade de uma articulação maior no setor para fomentar o uso e o desenvolvimento de novos ativos de propriedade intelectual, bem como a sistematização de esforços de PD&I e de TT, com a participação de empresas públicas e privadas, a fim de aumentar a competitividade do setor.
Este trabalho poderá ser ampliado, no sentido de se analisar as dificuldades enfrentadas pelos atores desse segmento no desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e processos inovadores, e as possibilidades de investimento no setor, com o objetivo de contribuir para que haja um maior alcance e disseminação no uso e no desenvolvimento dos instrumentos de propriedade intelectual na cadeia produtiva do vinho.
Referências
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